sábado, 31 de dezembro de 2011

A Líbia de hoje é um grande centro de torturas e assassinatos



Os traidores líbios a serviço da Otan – “novo” governo líbio – continuam promovendo torturas e assassinatos, impunemente, diante do silêncio da mídia internacional e das organizações de defesa dos direitos humanos. Para viabilizar os ataques militares ao país meses atrás, essas organizações divulgavam denúncias diárias contra o governo da Líbia, apenas para manipular a opinião pública mundial e dar aos militares ocidentais – Otan - a oportunidade de matar mais de 200 mil líbios para roubar petróleo.
Recente denúncia revela que em um estábulo nas cercanias de Trípoli um grupo de soldados leais ao governo da Jamahiriya foi brutalmente torturado e assassinado. São patriotas e nacionalistas líbios que estão sendo punidos por defender a sua pátria da invasão e domínio estrangeiro. Esses bravos soldados e militares leais ao povo árabe líbio devem ser condecorados e não assassinados covardemente após o fim dos criminosos bombardeios da Otan que destruiu a maior parte da infraestrutura do país e martirizou o líder Muamar Kadafi.
A Líbia tornou-se um centro de torturas graças à atuação aberta e declarada da CIA e do Mossad, serviços secretos a serviço do imperialismo, do sionismo e do colonialismo retrógrado.
Além de torturar e assassinar os apoiadores de Kadafi, o novo governo líbio está promovendo um genocídio étnico sem precedentes, prendendo, torturando e assassinando negros indiscriminadamente. Na Líbia de hoje, basta ser negro para ser imediatamente acusado de kadafista, sendo em seguida preso e torturado – e muitos, assassinados. Triste situação esta que foi colocada pelas potências ocidentais, transformando a Líbia em um matadouro de heróis e inocentes. No passado, no governo de Muamar Kadafi, os negros da África do Sul receberam armamento e combatentes para lutar contra o regime do apartheid, na época apoiado apenas pelos governos dos EUA e Israel, justamente os países mais envolvidos nos massacres da população líbia.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A invenção do povo judeu


O título acima é também o título do livro do professor judeu Shlomo Sand, da Universidade de Tel Aviv. Ele desmascara os argumentos do governo de Israel e prova, a partir de registros e documentos históricos, que a história contada pela grande imprensa sobre Israel e o Estado judeu é mentirosa.

Shlomo Sand, professor de História contemporânea na Universidade de Tel Aviv, em seu livro recém lançado no Brasil, com título “A invenção do povo judeu”, derruba os principais mitos israelenses.

Segundo a historiografia oficial israelense, os judeus, após saírem do Egito, ocuparam a Palestina, construíram Estados, sendo o mais importante o reino unificado de Davi e Salomão. Foram expulsos da terra várias vezes, por diferentes invasores, e a última expulsão teria ocorrido após a destruição do segundo templo, em 70 dC.

Essa historiografia narra que o “povo judeu” vagou por dois mil anos pelo exílio forçado até retornar à sua terra prometida e criar seu Estado nacional na Palestina em 1948.

O problema é que essa narrativa é fantasiosa, falsa e contrária à História, como demonstra Sand.

Assim como Charles Darwin demonstrou que o Velho Testamento não é livro de Biologia, Shlomo Sand demonstra que tampouco é livro de História.

O livro de Sand contém várias teses sobre a história dos judeus e judaísmo. A mais interessante mostra que os atuais judeus não são descendentes dos antigos hebreus ou israelitas, que viviam na Palestina. São, de fato, descendentes de povos e tribos que se converteram ao judaísmo, bem longe da Palestina.

Destaca-se o poderoso reino e tribo de Himyar, que governou o Iêmen e se converteu ao judaísmo no ano 378 dC. O mesmo ocorreu com os berberes do norte da África, que se converteram ao judaísmo e habitavam o território compreendido entre a moderna Trípoli (Líbia) e Fez (Marrocos).

Segundo Sand, a evidência lingüística indica que os judeus sefarditas, i.e, “orientais”, são descendentes de árabes, berberes e europeus convertidos ao judaísmo.

Os judeus askhenazi, i.e., ocidentais, são descendentes dos Kházaros, povo eslavo que habitava, desde o século IV dC, o território ao longo dos rios Volga e Don, ou seja, Rússia e Ucrânia. A conversão dos Khazaros, conhecidos como a décima terceira tribo, ocorreu de forma gradual, entre os séculos VIII e IX.

Após a conquista mongol, os Khazares migraram para os territórios vizinhos, principalmente Polônia, dando origem às numerosas comunidades judaicas no leste europeu.

Sand afirma que a maioria dos judeus hoje são descendentes de tribos que habitavam as margens dos rios Volga e Don, muito longe do rio Jordão e da Palestina.

Outro mito desmascarado por Sand é a deportação dos judeus da Palestina, após a destruição do segundo templo.

O livro mostra que os romanos não expulsaram os judeus de Jerusalém ou mesmo da Palestina. Em nenhum lugar da extensa documentação dos romanos, minuciosos, há qualquer menção de deportação.

Os romanos nunca deportaram povos inteiros de seu vasto império.

Na época do alegado exílio, havia muito mais judeus morando fora da Palestina que dentro do país. Centros como Mesopotâmia (Iraque), Egito, principalmente Alexandria e norte da África, continham comunidades judaicas mais numerosas e mais desenvolvidas, se comparadas com a comunidade na Palestina.

Para os historiadores sionistas, tornou-se necessária a existência de um exílio forçado, caso contrário seria impossível compreender a “história” orgânica do “povo judeu”.

Sand desmascara também o mito sobre a saída dos judeus do Egito e a conquista da Palestina.

Ele explica que os egípcios antigos são conhecidos por registrar detalhadamente os acontecimentos no seu império. Não há nenhum registro sobre movimentação populacional entre Egito e Palestina, que na época, era parte do império egípcio.

Não existem, também, dados científicos, registros históricos confiáveis ou achados arqueológicos sobre o reino de Davi e Salomão.

Os sionistas transformaram o velho testamento, livro de teologia, em livro de história.

No final do século XIX, eles não apenas inventaram um povo, mas também forjaram sua “história”. Isso aconteceu negando fatos históricos e transformando mitos em falsas verdades, para justificar a ocupação da Palestina e expulsão do seu povo.

E como previsto, isso resultou na criação de uma entidade anômala, que vive até hoje uma grave crise de identidade.

Sand explica que Israel se define como Estado judeu e democrático e isso é contraditório. Um país que discrimina um quarto de sua população, autóctone, os não-judeus, não é democrático.

Shlomo Sand, no seu livro, mostra o primeiro passo ao rumo da verdadeira reconciliação e paz justa na região: reavaliar não apenas os mitos israelenses, mas também a própria ideologia sionista, com sua exclusividade “racial” e falsidade histórica.

A História não manipulada ensina que um sonho nacionalista pode se transformar em pesadelo.

Os últimos acontecimentos no Oriente Médio mostram que Israel não é exceção a esta regra histórica.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Em vez de alguma Pax Americana... Há mundo, depois da guerra no Afeganistão!



MK Bhadrakumar, Indian Punchline

Talvez soe estranho, mas a primeira vez que viajei até a Amu Darya (terra-de-ninguém) no norte do Afeganistão, viajei a pé. Há 18 anos, ainda não havia embaixada da Índia em Kabul (e o Paquistão, além do mais, não me autorizaria a caminhar pelo Desfiladeiro Khyber).

Meti-me naquela ‘trilha’, para visitar Rashid Dostum em seu famoso castelo em Shibirghan (província de Jowzjan) – via Tashkent até Termez, na fronteira uzbeque-afegã, entrando por ali no Afeganistão. Para um diplomata indiano, foi situação absolutamente estranha, atravessar a pé a ponte Termez-Heiraton que cruza a terra-de-ninguém, e chegar ao Afeganistão dos Mujahideen, com os quais a Índia dizia ter laços ‘civilizacionais’.

A ponte, de montantes de aço, foi construída pelos soviéticos e era então, de fato, uma ponte ferroviária que acabava no ‘porto’ afegão de Heiraton. Termez, claro, era imensa base militar, então a maior base soviética na Ásia Central, e coordenava o fluxo de suprimentos para as tropas soviéticas no Afeganistão. O próprio general Boris Gromov também atravessou a pé aquela ponte, numa ventosa manhã de inverno, à frente, pessoalmente, do último destacamento soviético que deixou o Afeganistão em 1989. Tecnicamente falando, portanto, o Afeganistão não é exatamente debutante, no fascinante mundo das ferrovias.

Mesmo assim, a abertura, hoje, da ferrovia que liga Heiraton a Mazar-i-Sharif é sempre mostrada com certa dose de mal disfarçada emoção.

O sistema ferroviário promete abrir um novo mundo ao mundo afegão. Quanto a isso, é o mesmo em toda parte, incluída a Índia Britânica. Da chegada do sistema ferroviário fazem-se as lendas. (...)

Imaginem um afegão de Bamyan que pela primeira vez embarca num trem, com suas esposas e muitos filhos e filhas pequenos: o mesmo êxtase sem palavras, boquiaberto, de quando ele, pela primeira vez, vê o mar e as ondas lambendo as praias. Pois a geopolítica do sistema ferroviário afegão também será assim, emocionante, quase indescritível. Para muitos observadores, a nova linha em Mazar-i-Sharif é mais um dente na engrenagem da guerra do Afeganistão, que facilitará o transporte, mais rápido e mais barato, de suprimentos para as tropas da OTAN, via Termez.

Mas por trás de tudo isso descortina-se um panorama que mudará fenomenalmente a face do Afeganistão.

Falo sobre os planos em desenvolvimento, para a implantação de uma ampla malha ferroviária regional, na qual o Afeganistão pode vir a operar como principal centro de irradiação.

Importante, quanto a isso, é que esse é o sistema ferroviário que a China planeja para todo o Afeganistão, destinado a alterar todo o tabuleiro regional incluído na Rota da Seda (a tradicional chinesa, não a “nova”, com a qual sonham os EUA). A linha que os chineses projetaram, já em construção em vários segmentos, parte de Xinjiang e entra no Afeganistão pelo Quirguistão e Tadjiquistão. Dali podem partir dois grandes ramais, levando, um ao Irã, o outro ao Paquistão.

Para a China, a estrada de ferro abre passagem estratégica, que a leva ao Golfo Persa e ao Sul da Ásia, contornando o Estreito de Malacca. Se o Paquistão jogar suas cartas com sabedoria – e já me parece bem claro que, afinal, o Paquistão começou a entender a quintessência do grande jogo e está sabendo encadear suas jogadas –, o país terá papel chave a desempenhar nos ambiciosíssimos planos chineses de expandir a Rota da Seda na direção dos portos de Karachi e Gwadar. Sim. Os presidentes do Quirguistão e do Tadjiquistão, que se reuniram no início dessa semana em Moscou, trocaram notas sobre providências para acelerar a construção da linha ferroviária que ligará China e Afeganistão.

O quadro que está emergindo naquela região já olha para muito além da guerra do Afeganistão. O que acontecerá nessa região?

Em vez de Pax Americana, tudo leva a crer que se constrói por aqui, cada vez mais claramente, um acordo regional entre Rússia, China, Paquistão e Irã, como base que garantirá estabilidade e segurança para o Afeganistão.

Será preciso ainda um ‘salto de fé’, um movimento de ‘conversão espiritual’, para que os especialistas indianos entendam e assimilem essa nova realidade geopolítica, que se vai construindo lentamente, mas inexoravelmente. [No Brasil, precisamos muito mais, até, que alguma ‘conversão espiritual’: os especialistas brasileiros – pelo menos, com certeza, todos os que falam e escrevem nos jornais do Grupo GAFE (Globo/Abril/FSP/Estadão) – ainda não atravessaram, sequer, el Rio Grande, e, na cabeça deles, a única ponte que existe no planeta é a que une as cidades cenográficas da Rede Globo e da Bolsa de Valores de NY, passando pelas agências norte-americanas de ‘notícias’ & propaganda (NTs)] .

Assim sendo, países vizinhos da Índia, como Sri Lanka ou Bangladesh estão-se reposicionando para ‘para outro jogo de futebol’. O Sri Lanka já se aproxima, mesmo, de converter-se em mais um país de renda média, na Ásia.

Tradução: Vila Vudu

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Stratfor contesta narrativa sobre a Síria



Sharmine Narwani , Huffington Post

“– Na mídia brasileira, ninguém contesta é poooooooooorra nenhuma.
É só repetição de matérias de agências norte-americanas,
tudo igual, tudo igual, tudo igual...”

“– Mas será que o William Waack ou o Merval Pereira
algum dia ouviram falar de Instituto Stratfor?!”
[entreouvido na Vila Vudu]
Desde que eclodiram as manifestações públicas na Síria, em março passado, as narrativas sobre a crise síria só fazem repetir o tema das demais revoltas árabes. Um governante autoritário que esmaga oposição pacífica que se levanta contra seu governo e abre fogo contra civis, e o número de manifestantes cresce, e cresce também o número de cadáveres...

Mas entramos agora no nono mês desse conflito particularmente violento – nem a Líbia, com guerra civil declarada, demorou tanto. O que está acontecendo?

Segundo o instituto Stratfor, com sede no Texas e especializado em análise de risco geopolítico, que, semana passada, distribuiu devastadora crítica dos esforços de propaganda da oposição síria, “a maioria das denúncias mais sérias da oposição síria não passam de exagero grosseiro ou são simplesmente falsas, o que revela muito mais sobre a fraqueza da oposição, do que sobre o real nível de instabilidade dentro do regime sírio”.[1]

É evento importante por duas razões. Primeiro, porque é a primeira vez que empresa de inteligência com sede nos EUA contesta abertamente a narrativa dominante sobre o caso sírio. Segundo, porque, ante os dados reunidos pelo Instituto Stratfor, somos obrigados a nos perguntar: em que, afinal, os EUA baseiam suas iniciativas políticas, se todos os nossos pressupostos de informação são falsos?

A Síria, afinal, é ou não é “instável”? Que importância como representação de algum desejo de alguma maioria tem (teria) a oposição ao regime de Bashar al-Assad? O número de mortos que todos os dias nos é informado e que tanta revolta provoca, é número confiável? Significa alguma coisa? Quem está matando quem? Como se podem confirmar os números e as notícias incansavelmente repetidas? Os manifestantes locais são capazes de discernir entre um manifestante pró-regime civil morto e um morto civil anti-governo – sobretudo se se sabe que os dois lados estão armados e atirando?

Não tenho meios nem para desmentir nem para confirmar as informações que são distribuídas e nem tentarei. Mas pergunto: de onde vêm todos esses ‘fatos’?

As informações sobre a Síria são viciadas?

Informação colhida de grupos de oposição não são confiáveis por definição, porque às oposições sempre interessa divulgar dados “benéficos” e ocultar as estatísticas “que não ajudam”. E a mesma dinâmica aplica-se ao governo, motivo pelo qual tantos suspeitam sempre do que diga o governo sírio.

Mas ninguém vê a oposição síria dando divulgação democrática ao número de soldados regulares do exército sírio mortos, por exemplo – exceto para dizer que haveria soldados desertores, e que estariam sendo assassinados. Nesse momento, o Twitter zune com notícias (muitas delas apenas repetidas), segundo as quais, mais de 70 dos mais de 100 mortos de hoje seriam “desertores”.

Tampouco se ouve qualquer informação sobre o número de civis pró-regime mortos pela oposição armada – muitos dos quais mortos ao se manifestarem a favor do regime sírio.

Nada disso, é claro, significa que a oposição síria minta para ganhar a simpatia e o apoio internacional – sobretudo porque a “oposição” não é homogênea e tem várias caras, propostas, poderes e ambições.

Mas o Instituto Strafor questiona diretamente o objetivo de alguns daqueles grupos, baseado em provas recolhidas de campanhas de desinformação:

O artigo de Stratfor foca-se, basicamente, nos esforços da oposição síria para dar a impressão de que, nas últimas semanas, estaria havendo grave divisão dentro do próprio clã do presidente Assad e dentro da minoria alawita, fé professada por vários dos mais altos comandantes das forças armadas sírias e líderes políticos do governo.

Dentre as mentiras já identificadas, está matéria datada de 10/12, segundo a qual “o vice-ministro da Defesa da Síria e ex-chefe da inteligência militar Asef Shawkat foi assassinado por um assessor e ex-chefe da Segurança, general Ali Mamlouk.”

É notícia falsa, segundo Stratfor, divulgada para criar “uma falsa imagem de que dois sunitas, com altos postos no governo, estar-se-iam matando a tiros”, e que alimenta “uma narrativa que ajuda alguns grupos, dedicados a minar a ideia de que o governo de Assad mantém-se coeso na determinação de conter a oposição armada e salvar o regime sírio”.

Outro exemplo, do dia 9/12, o jornal Asharq al Awsat, de propriedade de sauditas, publicou declaração de uma até então desconhecida “Liga Alawita de Comitês de Coordenação”, autoapresentada como representante da comunidade alawita síria, e que “rejeita qualquer tentativa de culpar os alawitas pelo ‘barbarismo’ do regime Assad”. Na avaliação do Instituto Stratfor, a notícia ‘plantada’ dá “a impressão de que a comunidade alawita estaria dividida e que o regime de Assad estaria perdendo o apoio dentro de sua própria comunidade religiosa”.

O Instituto Stradfor cita fontes suas, dentro da oposição síria, que “confirmaram que aquela Liga Alawita de Comitês de Coordenação não existe e não passa de ficção inventada pela oposição sunita na Síria”.

No mesmo dia, outros grupos da oposição, entre os quais o Conselho Nacional Sírio, o Exército Sírio Livre e o Observatório de Direitos Humanos na Síria (que tem sede em Londres) começaram a distribuir ‘notícias’ segundo as quais “forças do governo sírio sitiaram Homs e impuseram prazo de 72 para que os desertores do exército sírio entregassem as armas, ou seriam massacrados.”

Essas notícias apareceram em manchetes de jornais e televisões em todo o mundo – porque Homs é o centro da oposição ao regime, onde o número de mortos parece ser maior que em outras cidades. Mas investigações feitas pelo Instituto Stratfor descobriram que “não há sinais de massacre”. E o Instituto alerta que “forças da oposição a Assad têm interesse em difundir a fantasia de que haveria risco de massacre, na tentativa de criar quadro semelhante ao que levou a uma intervenção militar estrangeira na Líbia”.

O Instituto lembra que não há risco de massacres na Síria, ou que, no mínimo, são altamente improváveis, porque “o regime sírio trabalha exatamente para evitar esse tipo de cenário. As forças legais na Síria”, diz o Instituto Stratford, “têm sido muito cautelosas para evitar altos números de mortos, que pudessem levar a qualquer tipo de intervenção baseada em critérios humanitários.” E por aí vai.

Narrativas falsas, sem qualquer fundamento, turvam as águas

Stratfor identifica alguns objetivos evidentes que dirigem os esforços de propaganda dos grupos de oposição síria:

– Convencer os sírios dentro da Síria (e não só a maioria sunita, mas também outras minorias que, até agora, se mantêm firmemente a favor do governo), de que o regime estaria dividido, sem força e que de nada serviria continuar a apoiá-lo.

– Convencer apoiadores externos da oposição, como os EUA, a Turquia e a França, de que o regime está fragilizado, a ponto de cometer massacres para conter os protestos, como acontecia em 1982, em Hama.

– Convencer todos, os sírios e apoiadores externos da oposição, de que o colapso do governo de Assad não gerará o mesmo nível de instabilidade que se viu no Iraque, ao longo de quase uma década, nem levará ao surgimento de milícias islâmicas como parece já estar acontecendo na Líbia. Com esse objetivo, o Exército Síria Livre tem dado destaque a operações de defesa de civis, para não ser rotulado como milícias golpistas. Simultaneamente, a oposição política tem repetido que deseja preservar intactas as estruturas do governo, de modo a evitar o cenário que se tem no Iraque, onde hoje é necessário reconstruir o estado, que foi completamente destruído, e o país já enfrenta guerra sectária.

Stratfor chama a atenção para a facilidade com que o discurso dos grupos de oposição na Síria chegam rapidamente às manchetes da imprensa ocidental, e que esses veículos repetem com regularidade “dados distribuídos pelo Observatório de Direitos Humanos na Síria, apesar de nenhum daqueles dados poder ser confirmado.” Mas o Instituto Stratfor também alerta que “a falta de coordenação entre os veículos de distribuição de informação da oposição na Síria, e a nenhuma confiabilidade dos dados que são distribuídos já está minando a credibilidade da própria oposição como um todo.”

Hoje, o presidente Assad da Síria assinou o protocolo da Liga Árabe, autorizando a visita de uma missão de investigação. Se se conseguir que esse importante processo não seja sequestrado nas malhas da política regional – risco que não se deve descartar, apesar das boas intenções – é possível que, doravante, possamos afinal começar a conhecer o que realmente acontece hoje na Síria.

Sem rigorosa atenção à apuração dos fatos, é baixa a probabilidade de que os dois lados que se enfrentam na Síria consigam superar suas diferenças e rancores. Falsas narrativas, incansavelmente repetidas sem qualquer atenção à verificação e à confirmação das notícias, servem só para manter aceso o conflito. Parabéns ao Instituto Stratfor por chamar a atenção para a importância de produzirmos melhor jornalismo e informação mais confiável e transparente.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Militares norte-americanos deixam o Iraque após destruí-lo e saqueá-lo


Durou quase nove anos a destruição do Iraque por tropas norte-americanas, apoiadas por governos imperialistas ou subservientes, a quem chamavam “tropas de coalizão”, para enganar a opinião pública mundial.
O último comboio com tropas dos Estados Unidos deixou o Iraque na manhã deste domingo (18), quase nove anos depois de invadir o país asiático para depor o presidente Saddam Hussein, a quem acusavam de desenvolver armas de destruição em massa – denúncia jamais provada.
Cerca de 500 soldados e 110 veículos blindados cruzaram a fronteira com o Kuwait – monarquia fantoche pelo qual as tropas norte-americanas entraram no Iraque, em 2003 – às 2h30 (horário de Brasília), segundo o comando norte-americano.
Restarão ainda 157 soldados norte-americanos no Iraque, que deverão treinar as forças iraquianas e proteger a Embaixada dos EUA na capital Bagdá. Nos últimos dias, as tropas comandadas pelo general Lloyd Austin entregaram os últimos prisioneiros às autoridades iraquianas, após torturá-los, como fizeram em todo o período de ocupação, onde o episódio de Abu Grahib foi norma de conduta da tropas invasoras.
Os militares dos Estados Unidos saíram do Iraque após saqueá-lo e destruí-lo. Bombardearam toda a infraestrutura do país, destruíram os viadutos, rodovias modernas, sistemas de abastecimento e bombeamento de água, usinas elétricas, indústrias, complexos agropecuários etc. Durante a ocupação assassinaram mais de 100 mil civis, 4.800 soldados da coalizão perderam a vida (4.500 dos EUA), e 20 mil soldados iraquianos. Para os iraquianos, o resultado da invasão é uma enorme tragédia sem precedentes na história: dezenas de milhares de mutilados, insegurança, desemprego, falta de água potável e eletricidade, e aproximadamente 2 milhões de refugiados. A democracia exportada pelos EUA com bombas ultramodernas serviu apenas para destruir o país e trazer sofrimento, fome e miséria. O motivo? Petróleo, apenas petróleo. Durante todo esse tempo as empresas norte-americanas roubaram petróleo iraquiano com a desculpa de reembolsar as despesas de guerra. O petróleo iraquiano está sob controle dos norte-americanos, sendo exportados – aos Estados Unidos – a preço vil, com o apoio de um governo fantoche e subserviente.
A guerra de ocupação começou em 19 de março de 2003. Cerca de três semanas mais tarde, Bagdá caiu nas mãos da coalizão. No dia 1° de maio de 2003, o presidente George W. Bush deu por encerrada essa fase ao afirmar que a “missão estava cumprida”. A missão era assassinar milhares de civis inocentes e indefesos, destruir o país para melhor saqueá-lo.
O ex-presidente Saddam Hussein – a exemplo de Kadafi – foi assassinado por mercenários do seu próprio povo, assessorados por experts norte-americanos.
Em resumo, a ocupação do Iraque foi mais um crime de lesa humanidade (a exemplo da Coreia, Vietnã, Afeganistão, Kosovo, Líbia etc), que jamais será julgado porque os Estados Unidos da América possuem o maior arsenal de bombas atômicas do planeta – armas de destruição em massa - e dominam a maioria dos governos ocidentais através da força e/ou da corrupção. Os “dominadores do mundo” criam guerras, assassinam milhares e milhões de inocentes para roubar suas riquezas naturais, e ainda se dizem defensores da democracia, civilizados. Seria cômico, se não fosse trágico.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O urso alfineta a águia. O dragão sorri.


M K Bhadrakumar, Asia Times Online

A partir de uma observação aparentemente imotivada na 2ª-feira, os EUA elevaram as eleições parlamentares russas de 5/12 passado ao status de questão central das relações EUA-Rússia. A dramática escalada retórica põe abaixo as sempre repetidas sugestões do governo de Barack Obama, de um “reset” nas relações.

Num movimento discreto, Pequim cuidou de manifestar sua compreensão a Moscou. As intersecções desses movimentos terão impacto em vários aspectos da situação regional e internacional no próximo governo.

Para recapitular: quando a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton comentou o resultado das eleições parlamentares russas, ainda durante a Conferência Bonn II na Alemanha, na 2ª-feira, visava diretamente ao Kremlin; disse que estava “preocupada” com aquelas eleições e que o “povo russo, como todos os povos, merece ter a voz ouvida e os votos contados”.

Clinton falou antes, até, de serem divulgados os resultados oficiais. Em vastas porções da Rússia os resultados só chegaram na 4ª-feira. As urnas mostraram que o partido governante, Rússia Unida [ing. United Rússia (UR)] sofrera duro revés, tendo perdido 77 assentos, nos 450 do Parlamento; ficou limitado a uma maioria simples de 238 votos.

Mas Clinton falou como se o Kremlin tivesse orquestrado uma vitória ao estilo dos soviéticos, de 98% dos votos –, quando a mídia ocidental interpretava o resultado na direção exatamente oposta, como grande “derrota” do primeiro-ministro Vladimir Putin (já candidato à presidência nas eleições de 4 de março). Para Clinton, o Kremlin teria calado a voz do povo, para perpetuar-se no poder.

Estranhamente, Clinton não só nada fez para fazer esquecer aqueles comentários como, até, repetiu-os no dia seguinte, em mais uma fustigada contra os líderes russos, bem ali à porta de entrada da Rússia – em Vilnius, Lituânia –, na presença de toda a comunidade dos estados pós-soviéticos e da Velha e Nova Europa. Clinton ter escolhido como sua plateia a Organização da Segurança e Cooperação da Europa [ing. Organization of Security and Cooperation in Europe (OSCE)] foi movimento muito claramente simbólico, porque esse corpo regional é herdeiro dos famosos Acordos de Helsinki de1975, legado da Guerra Fria.

O que teria provocado o ataque dos EUA? Explicação simples poderia ser que Clinton aproveitou a chance para jogar lama contra Putin, para tornar sua eleição à presidência da Rússia, dia 4 de março, o mais difícil e controversa possível.

Uma primavera em pleno inverno

Verdade é que há várias indicações, nas últimas semanas, de que Washington está incomodada com a alta probabilidade de Putin voltar à presidência da Rússia, no atual período formativo da política mundial. Putin significa uma Rússia assertiva – Rússia que negocia com firmeza para influenciar eventos mundiais, Rússia que cimentará a cooperação com a China, Rússia que fatalmente se oporá ao projeto, crucial para os EUA, de um novo Oriente Médio sob renovada hegemonia dos EUA, em novas condições de “democracia”.

O Ministro das Relações Exteriores da Rússia ridicularizou, sem lhe dar destaque, o comentário de Clinton. Até que, afinal, se ouviu a reação de Moscou, quando Putin falou, na 4ª-feira, depois de dar tempo para que a secretária de Estado dos EUA dissesse tudo que lhe ocorresse dizer. Putin bombardeou Clinton. Disse ele:

Observei a primeira reação de nossos colegas dos EUA. A secretária de Estado pôs-se imediatamente a avaliar as eleições. Disse que foram injustas e manipuladas, antes até de receber informações dos observadores de instituições democráticas e de direitos humanos que acompanharam as eleições em nosso país. A secretária falou diretamente a alguns personagens que já estão na Rússia. Enviou-lhes um sinal. E eles, lá, com o apoio do Departamento de Estado dos EUA, puseram-se a trabalhar ativamente.[1]

E não parou aí. Putin disse também que “centenas de milhões” em dinheiro estrangeiro foi usado para influenciar o resultado das eleições na Rússia. E que, nessas circunstâncias, a Rússia tem de proteger sua soberania:

Quanto se vê dinheiro de fora usado para promover atividades políticas noutro país... Todos nós temos um problema. Essa tipo de ação agride todos nós. Consideramos bem-vindos todos os observadores estrangeiros que desejem acompanhar o processo eleitoral na Rússia. Mas se começam a tentar influenciar o resultado, aparelhando organizações dentro da Rússia, que se apresentam como organizações locais, mas recebem dinheiro de fora... Não se pode aceitar. Teremos de encontrar meios para aprimorar nossas leis, de modo a fazer com que estados estrangeiros que visem a influenciar nossa política doméstica possam ser acusados e devidamente julgados pelos crimes que pratiquem.

É resposta muito forte. E há aí quatro pontos a observar: (1) É uma rara acusação direta, pessoal, contra a secretária de Estado (acusada de incitar a opinião pública russa, interessada em desestabilizar o país). (2) Putin circunscreveu o Departamento de Estado, como célula específica, dentro do governo Barack Obama; e acusou-o de operar segundo agenda específica. (3) Putin sugeriu, muito claramente, que os EUA não escaparam à vigilância da inteligência russa, que sabe de seus passos no país. E (4) afirmou bem claramente que haverá mudanças.

Clinton não pode reclamar de Putin tê-la atacado pessoalmente. A campanha que o Departamento de Estado moveu contra Putin assumiu tom extremamente agressivo nos últimos dias, excepcional, mesmo nas sempre tumultuadas relações EUA-Rússia. Há uma quinzena, a Radio Liberty/Radio Free Europe (RFE/RL) exibiu matéria sobre a vida pessoal de Putin, com o claro objetivo de detonar um tsunami anti-Putin nas redes sociais na Rússia. Não há registro de a mídia oficial russa jamais ter descido a tais abismos de mau gosto, nem no auge do escândalo que envolveu Bill Clinton e Monica Lewinsky.

A melhor explicação para os movimentos agressivos da secretária de Estado parece ser outra: os EUA já sabem que a inteligência russa reuniu provas de que, sim, os EUA estão ativos dentro do território russo e da política nacional. A matéria denuncista, baseada em intrigas pessoais contra Putin, parece ter sido tentativa diversionista, esforço para salvar a águia que se deixou prender, ela mesma, na arapuca que a águia tentou armar para prender o urso.

A mesma intenção transparece também nos esforços de Clinton para fazer, das eleições na Rússia, questão crucial para o progresso da democracia no século 21. Desse ponto de vista, o governo Obama fez papel patético. Só lhe restou a ridícula alternativa de tentar encenar uma neo-Praça-Tahrir em Moscou.

Segundo números do New York Times, na 5ª-feira pela manhã, mais de 32 mil pessoas haviam clicado numa página de Facebook, garantindo que cercariam o Kremlin. O jornal argumenta, matematicamente: “Metade deles lá compareceram, para protagonizar o maior movimento de protesto político em Moscou, desde a queda da União Soviética”.1

O advento de uma Primavera Árabe em Moscou, em pleno inverno russo, terá consequências facilmente previsíveis. Pequim também observa esse curioso fenômeno atmosférico, nada natural. O New York Times ‘informa’ que Putin “luta para não perder o pé, depois de seu partido, Rússia Unida, ter sofrido grave derrota nas eleições do domingo”1. Mas observadores sempre atentos, em Pequim, chegaram a conclusão completamente diferente.

É Putin, estúpido!

No mesmo momento em que Clinton falava, em Bonn, na 2ª-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hong Lei, chegava a conclusões diametralmente opostas. Disse ele:

Nós [China] entendemos que as eleições terão efeitos positivos para a unidade da sociedade russa, para a estabilidade nacional e para seu desenvolvimento econômico”.[2] Disse que a China respeitava a decisão do povo russo e que trabalharia com os russos para construir e fazer avançar uma “ampla parceria coordenada” entre os dois países.

A China decidiu tomar posição, sem subterfúgios, já no início da 2ª-feira, apesar de Pequim já saber do revés eleitoral que o partido Rússia Unida sofrera nas urnas. A rede de notícias Xinhua publicou uma nota de cautela:

Embora tudo leve a crer que vencerá as eleições parlamentares, a Rússia de Vladimir Putin enfrentará inúmeros desafios, no caso de ter de conviver com maioria muito reduzida. Alguns analistas falam do estado lamentável da economia russa, como justificativa pela queda no apoio popular. Para muitos, o partido não teria conseguido reduzir a corrupção e não cumpriu as promessas de melhorar a eficiência do governo. Sobretudo na Internet, em salas de bate-papo e fóruns online ouvem-se muitas críticas ao governo de Putin.2

Mas no dia seguinte a rede Xinhua publicou matéria extensa, em que reage com firmeza aos ditos dos EUA e ao que Pequim descreve como “caricatura forçada e conclusão errada, segundo a qual o partido governante na Rússia liderado pelo primeiro-ministro Vladimir Putin, teria sido derrotado nas eleições para a Duma”[3].

Comentário nuançado, deixa claramente sugerido que a questão que incomoda os EUA não é alguma “democracia” na Rússia, mas o próprio Putin:

Para muitos, a visão de mundo de Putin seria ‘antiocidental’ (...) Muitos políticos norte-americanos não têm qualquer interesse em ver, no comando do poder russo, um “sujeito durão” (...) a Casa Branca não deu sinais de entusiasmo ante a ideia de ter de negociar, outra vez, com o ‘espinhento’ presidente Putin (...) As eleições na Rússia estão alinhadas com os interesses dos russos e de modo algum incorporam qualquer dos interesses dos países ocidentais. A reação da Sra. Clinton é compreensível.” 3


A rede Xinhua observou que as políticas da Rússia nem sempre consideraram os interesses locais e que, várias vezes, Moscou optou por ações alinhadas “à prática ocidental”; mas mesmo nesses momentos, a ação dos russos só muito raramente manteve “adequação perfeita” às agendas ocidentais. Assim sendo, as pressões ocidentais sobre a Rússia sempre continuam. O comentário está atribuído a Li Hongmei, colunista do jornal People's Daily.

Muito obviamente, a China não perde de vista o grande quadro da dinâmica do poder na cena mundial. Pequim jamais ocultou que tem Putin em alta estima, considerado defensor consistente dos imperativos que regem os laços estratégicos sino-russos. Mas o atual momento de acrimônia nas relações entre EUA e Rússia acontece em momento também crucial para a China.

Em inúmeras frentes, é hoje vital para a política regional chinesa manter coordenação coesa com a Rússia. Ao longo do mês de novembro, altos funcionários das relações exteriores da China estiveram nada menos que quatro vezes em Moscou para consultas.

A coordenação entre russos e chineses é sempre de alto nível. O veto “conjunto” no Conselho de Segurança da ONU, na Resolução sobre a Síria, é evento sem paralelos. E os dois países continuam a bloquear uma Resolução adotada na Comissão de Direitos Humanos da ONU, que transfere a Comissão, de Genebra, para o Conselho de Segurança em New York. Pequim ajudou Moscou a conseguir que os BRICS adotassem, como posição comum, a posição russa sobre a Síria.

Sobre o Irã, também, os dois países têm conseguido conter os movimentos dos EUA para impor sanções adicionais. (O enviado russo à ONU Vitaly Churkin sugeriu recentemente que é hora de o Conselho de Segurança da ONU suspender até as sanções hoje vigentes.) Na questão Ásia-Pacífico, a Rússia mantém-se ao lado da China, conforme a declaração conjunta dos dois países, adotada em setembro do ano passado.

Rússia e China opõem-se, ambas, ao estabelecimento de bases militares dos EUA-OTAN no Afeganistão. Os dois países têm interesse em garantir a autonomia estratégica do Paquistão. Trabalharam juntos na recente Conferência de Istambul (2/11), para bloquear os progressos do projeto “Nova Rota da Seda”, menina dos olhos de Clinton. A água alcançará o ponto máximo, provavelmente, quando o enviado da Rússia à OTAN, Dmitry Rogozin, viajar a Pequim (e a Teerã) para discutir o programa de mísseis antibalísticos de defesa (ABM), que pressiona significativamente as relações EUA-Rússia.

Pequim acompanha, atenta e silenciosamente, uma sombra EUA-Rússia que dança sobre o programa ABM; e as consultas que Rogozin conduzirá serão feitas a partir dos sinais silenciosos de que Pequim quer conversar. Rússia e China têm interesses específicos nessa questão dos mísseis antibalísticos, mas qualquer grau de coordenação, por inicial e tateante que seja, ainda assim delineará novo paradigma na segurança internacional.

Sobretudo, Pequim conta com que Putin, de algum modo, contribuirá para levar a bom termo, o mais rapidamente possível, as negociações, ainda inconclusas, num negócio de gás, de um trilhão de dólares. Com o estabelecimento de uma base militar dos EUA na Austrália; com a presença dos norte-americanos reforçada em Cingapura; e com os EUA trabalhando para conquistar países asiáticos, para que se realinhem e revitalizem a velha liderança americana, as preocupações dos chineses com a própria segurança energética estão-se tornado agudas.

Em resumo, a trajetória da atual acrimônia entre EUA e Rússia; e o sucesso que Putin obteve, na reação forte contra a furiosa campanha que os EUA moveram contra sua eleição na Rússia, são temas da mais alta importância para os chineses.

Se a águia for realmente apanhada na arapuca que imaginou que estivesse preparando para o urso... o dragão verá aí motivo para muito júbilo.

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[1] No New York Times, 9/12/2011, em http://www.nytimes.com/2011/12/09/world/europe/putin-accuses-clinton-of-instigating-russian-protests.html?_r=1&hp (em inglês).
[2] 5/12/2011, Xinhuanet, Pequim, em http://news.xinhuanet.com/english2010/china/2011-12/05/c_131289125.htm (em inglês).
[3] 7/12/2011, Xinhuanet, Pequim, em http://news.xinhuanet.com/english/indepth/2011-12/07/c_131293601.htm (em inglês).

Tradução: Vila Vudu

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A guerra de sombras na Síria


O alvo é a Síria – prêmio estratégico de mais valor que a Líbia. O cenário estratégico está pronto. As apostas não podem ser mais altas. Líbia 2.0 ‘igual a’ Síria? Parece mais Líbia 2.0 remix. Sob o mesmo argumento R2P (Responsability to Protect, responsabilidade de proteger) – e, estrelando, a população civil bombardeada até virar ‘democrática’. Mas sem resolução do Conselho de Segurança da ONU (Rússia e China vetarão, se a proposta aparecer). Em vez disso, entra em cena a Turquia, soprando, para fazê-las crescer, as chamas da guerra civil.

A secretária de Estado EUA Hillary (“nós chegamos, nós vimos, ele morreu”) Clinton definiu o cenário, numa TV da Indonésia, há poucas semanas, quando profetizou que haverá “uma guerra civil” na Síria, com uma oposição bem financiada e “bem armada” cravejada de desertores do exército sírio.

Agora, cabe à OTANCCG fazer acontecer. OTANCCG é claro, é uma simbiose agora já completada de membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Grã-Bretanha e França, dentre outros) e seletas petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo, também conhecido como Clube Contrarrevolucionário do Golfo (Qatar e Emirados Árabes Unidos).

Portanto, todos já se podem banhar na luz gloriosa de mais um paraíso mercenário.

A guerra da OTANCCG

Os líbios (antigamente, os ‘rebeldes’), com o consentimento explícito do chefe do Conselho Nacional de Transição, Mustafa Abdul OTAN, também conhecido como Jalil, já despachou para a Síria, via Turquia, 600 mercenários altamente motivados, ainda intoxicados pela euforia de haver derrubado o regime de Gaddafi, para alistarem-se no Exército da Síria Livre [ing. Free Syria Army (FSA)]. O que foi feito imediatamente depois de um encontro secreto, em Istanbul, entre o Conselho Nacional de Transição (líbios) e os ‘rebeldes’ sírios (o recentemente rebatizado Conselho Nacional Sírio)[1].

Os líbios ‘dedo nervoso’ [no gatilho] têm livre acesso ao arsenal saqueado do exército líbio e às armas gentilmente ‘doadas’ pela OTAN e pelo Qatar. Já se pode traçar delicioso paralelo com a Casa de Saud nos anos 1980s – que deu luz verde para que os islâmicos mais linha-duríssima fossem fazer guerra no Afeganistão, em vez de ficarem ‘em casa’ infernizando a Arábia Saudita.

Quanto ao Conselho Nacional de Transição, mal esperava a hora de mandar para longe do Oriente Médio aqueles guerreiros mercenários tão desempregados quanto explodindo de testosterona; melhor bem longe, que infernizando o norte da África. E quanto à Turquia, país-membro da OTAN, na ausência de guerra (culpa dos insuportáveis russos e chineses), a melhor escolha restante é confiar em exércitos mercenários para fazer o serviço.

A pressão nunca diminui. Diplomatas em Bruxelas confirmaram ao jornal Asia Times Online que agentes da OTANCCG já instalaram um centro de operações em Iskenderun, na província de Hatay, na Turquia. Aleppo, cidade crucialmente importante, no noroeste da Síria, é bem próxima da fronteira turco-síria. A história-máscara & cobertura para esse centro de comando é que lá estaria para construir “corredores humanitários” até a Síria.

Apesar de todos esses “humanitários” serem membros da OTAN (EUA, Canadá e França) e membros do CCG (Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes Unidos), são apresentados à sociedade como inocentes “monitores” e como se nada tivessem a ver com a OTAN. Desnecessário dizer que esses “humanitários” são soldados especialistas em guerra em terra, mar e ar, e engenheiros especialistas. Missão: infiltrar-se no norte da Síria, especialmente em Idlib, Rastan, Homs – e principalmente, custe o que custar, em Aleppo, a maior cidade da Síria, com mais de 2,5 milhões de habitantes, a maioria dos quais são sunitas e curdos.

Já antes de surgirem essas notícias de Bruxelas, o semanário satírico Le Canard Enchaine[2] na França, e o diário turco Milliyethaviam noticiado que comandos do serviço secreto francês e do MI6 britânico estão treinando o ‘exército livre’ sírio em táticas de guerrilha urbana na cidade de Hatay no sul da Turquia e em Trípoli, no norte do Líbano. E que houve contrabando de armas em massa para dentro do território sírio – de pistolas a metralhadoras e outras armas automáticas israelenses.

Não é segredo para ninguém na Síria que gangues armadas – de salafistas a assaltantes e ladrões de rua – têm atacado o exército regular, a polícia e até cidadãos nas ruas, desde os primeiros dias dos movimentos de protesto. Dos cerca de 3.500 mortos nos últimos meses, muitos civis e mais de 1.100 soldados do exército sírio foram assassinados por essas gangues armadas.

E há também os desertores. Portanto, o regime de Assad não erra, ao dizer e repetir que a atual tragédia síria é, em grande medida, incitada por gangues armadas e pagas – sem incluir ainda os mercenários que estão chegando agora – a serviço de potências estrangeiras; nesse ponto, o regime de Assad acerta quase completamente.

Em Homs, fonte local informa a Asia Times Online que, no que tenha a ver com o ‘Exército da Síria Livre’:

“é perfeitamente visível que não passam de versão ‘midiática’ para dar cobertura a criminosos de vários tipos. Fizeram até um vídeo deles mesmos em Baba Amr, no qual aparecem como perfeitos imbecis (em http://www.youtube.com/watch?v=5tC3RebQ2hc&noredirect=1, convenientemente legendado!). Mas sejam quem forem aquelas crianças e aquele pessoal em geral, não há dúvida de que boa parte dos sunitas os apoiam. E, sim, eles têm alguma conexão com a comunidade, ricos e pobres. Uma professora cristã que leciona numa escola privada perto de Homs para alunos predominantemente sunitas, teve o carro parado numa rua e roubado por uma dessas gangues. Quando chegou a Homs, deu alguns telefonemas e logo seu carro foi devolvido. Quer dizer: as gangues de assaltantes que agem nos arredores da cidade têm conexões com os ricos da cidade: não foi difícil identificar os assaltantes e fazê-los devolver o carro da professora. É assim que o dogma da ‘revolução’ está implantado em Homs. A ideia de que haveria um ‘exército da Síria livre’ está bem disseminada e tem relativo apoio. E só os pobres das áreas mais desassistidas como Baba Amr, Bayada e Khalidiyya bastariam, como apoio, ao tal ‘exército’.”

Capturem os votos de sempre

Como fez na Líbia, a Liga Árabe cumpre fielmente sua função de capacho da OTANCCG; aprova sanções duríssimas que incluem o congelamento de bens do governo sírio, proíbe negócios com o Banco Central e todos os investimentos árabes na Síria. Em resumo: guerra econômica. Para o jornal libanês L'Orient Le Jour, ação foi “um eufemismo político”. Votaram a favor das sanções 19 dos 22 membros da Liga Árabe – a Síria já estava suspensa. O Iraque – cujo governo é majoritariamente xiita – e o Líbano – onde o Hezbollah é parte do governo – foram os dois únicos países que “se dissociaram” da votação.

Enquanto isso, também já está em andamento o sinistro jogo oportunista da dança das cadeiras – agora em versão síria. O Conselho Nacional Sírio e seus parceiros islamistas rejeitaram completamente qualquer diálogo com o governo de Bashar al-Assad. O secretário-geral da Fraternidade Muçulmana na Síria Riad Chakfi deu uma de ‘rebelde líbio’ e suplicou que o exército turco invada o norte da Síria, para criar uma zona ‘tampão’. Exilados também sinistros, como o ex-vice-presidente Abdelhalim Khaddam (exilado em Paris) e outro vice-presidente, Rifaat al-Assad (exilado na Espanha), vivem da fantasia de que a Fraternidade Muçulmana (que será o principal poder numa ‘nova’ Síria) permitirá que ambos assentem-se no trono.

Tudo isso é perfeita bobagem – porque o nome do jogo numa ‘nova’ Síria será “Casa de Saud”. A Casa de Saud é o nexo mais crucial que interliga: a Fraternidade Muçulmana no Egito (a qual se aproxima a passos largos de assumir o poder); o Partido AKP na Turquia (essencialmente, uma fachada da Fraternidade Muçulmana); e a Fraternidade Muçulmana na Síria. Os sauditas são investidores crucialmente importantes na Turquia. Estão-se posicionando também como grandes investidores no Egito. E morrem de vontade de converterem-se em grande investidores também na ‘nova’ Síria.

Por fim, chega-se à questão chave do jogo da Turquia. No dossiê sírio, a Turquia já não é mediadora: converteu-se em militante empenhado e defensor da mudança de regime. Esqueçam a entente Teerã-Damasco-Ancara, que há pouco tempo, em 2010, ainda era realidade. Esqueçam o soft power e a muito propagandeada política exterior de “zero problemas com nossos vizinhos” cunhada pelo ministro Ahmet Davutoglu das Relações Exteriores da Turquia.

O próprio Davutoglu já anunciou que a Turquia imporá sanções unilaterais à Síria –replay das sanções da Liga Árabe, com congelamento de valores financeiros do governo e nenhuma transação com o Banco Central. Davutoglu insiste que uma zona ‘tampão’ dentro da Síria, ao longo da fronteira coma Turquia, não estaria “na agenda” – mas esse é, precisamente, o trabalho dos tais sombrios “monitores humanitários” da OTANCCG. Desde meados de novembro a mídia turca só faz expor detalhes de planos para implantar uma zona aérea de exclusão no norte da Síria e a supracitada zona ‘tampão’, que deve estender-se até Aleppo.

Para quê? Perguntem à ‘profetiza’ Hillary Clinton: para fomentar a guerra civil.

O show, estilo Club Med

Em seu frenesi para vender o modelo político turco às partes sunitas do mundo árabe (até agora, o CCG ainda não engoliu), a Turquia pode ter errado gravemente no cálculo de suas relações (importantíssimas, cruciais) com Rússia e Irã. Cerca de 70% da energia que a Turquia consome é importada de Rússia e Irã. Sem mencionar que Rússia e Irã estão soltando faíscas de fúria contra a Turquia, que se curvou à pressão da OTAN para autorizar a instalação de uma estação de radar, como parte do sistema de mísseis de defesa.

A Rússia tem ideias muito claras sobre o cenário sírio. O ministro Relações Exteriores da Rússia foi bem explícito: “Nós absolutamente não aceitamos nenhum cenário de intervenção militar na Síria.”[3]

A reunião, semana passada, dos vice-ministros de Relações Exteriores dos países emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Moscou, foi evento imperdível.

Os BRICS, em resumo, demarcaram as linhas vermelhas. Nada jamais justificará intervenção estrangeira na Síria: “deve-se excluir qualquer interferência nos assuntos internos da Síria, que não se faça estritamente pelos termos da Carta da ONU.” Nada de “bomba, bomba, sobre o Irã”. Em vez de bombas, diálogo e negociações. E nada de sanções adicionais, definidas como “contraproducentes”. Os BRICS veem claramente que o cenário líbio vai aos poucos se metamorfoseando, e já está ganhando feições de outra guerra da OTANCCG, dessa vez na Síria, e só superficialmente diferente.

Para acrescentar molho à mistura, o porta-aviões russo “Almirante Kuznetsov” – equipado com mísseis nucleares – já deixou o porto de Murmansk e já navega para o Mediterrâneo Oriental, seguido pelo destróier “Almirante Chabanenko” e pela fragata “Ladny”. Chegarão à base naval Tartus, na Síria, em meados de janeiro – e lá se reunirão a outras naves da Frota Russa no Mar Negro.

Em Tartus vivem 600 militares e técnicos do Ministério de Defesa da Rússia; é um centro de manutenção e reabastecimento da Frota Russa no Mar Negro. Será que os russos convidarão membros da tripulação do Grupo de Ataque George H W Bush – cujas naves também estão hoje no Mediterrâneo Oriental –, para uma partida de voleibol?

É justo dizer que muitos sírios desejam coisa diferente do regime Assad – mas com certeza não querem ser alvo de uma variante de bombardeio humanitário – nem, menos ainda, querem guerra civil. Os sírios viram o legado da OTAN, na Líbia: praticamente toda a infraestrutura do país foi destruída, cidades foram reduzidas a pó, sob furioso bombardeio, dezenas de milhares de civis foram mortos e feridos; o poder, em Trípoli, acabou nas mãos de fanáticos ligados à al-Qaeda; e espalha-se pelo país o mais alucinado ódio racial. Nenhum sírio deseja massacre na Síria, que seria, no máximo, versão updated do massacre de líbios. Mas... isso, exatamente, é o que a OTANCCG está planejando.


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[1] Ver sobre o mesmo assunto, 29/11/2011, “Rússia posiciona navios de guerra na Síria”, MK Bradrakumar, emhttp://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/russia-posiciona-navios-de-guerra-na.html [NTs].

[2] 23/11/2011, Claude Angeli, “Une intervention ‘limitée’ préparée par l’OTAN en Syrie”, Le Canard Enchainé, Paris (in Le Point.fr, http://www.lepoint.fr/monde/syrie-la-france-prepare-t-elle-une-intervention-armee-29-11-2011-1402017_24.php): “a Turquia pode vir a ficar como base recuada de uma intervenção limitada, prudente e humanitária, pela OTAN, sem ação ofensiva” (...) “Ancara propõe instaurar uma zona aérea de interdição e uma zona ‘tampão’ no interior da Síria, destinada a receber os civis que fujam da repressão do regime sírio e militares desertores”. Fonte bem informada disse a Le Point.fr que a zona de proteção está decidida há cerca de dez dias; e se localizará no norte da Síria. Garantirá proteção às populações civis e também oferecerá eventual apoio, se se fizer necessário, “ao Exército da Síria Livre”, em qualquer ponto do território sírio” [NTs].
[3] 29/11/2011, Embaixada da Rússia em Londres, em http://rusemb.org.uk/press/358

Pepe Escobar, Asia Times Online
Tradução: Vila Vudu