quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Stratfor contesta narrativa sobre a Síria
Sharmine Narwani , Huffington Post
“– Na mídia brasileira, ninguém contesta é poooooooooorra nenhuma.
É só repetição de matérias de agências norte-americanas,
tudo igual, tudo igual, tudo igual...”
“– Mas será que o William Waack ou o Merval Pereira
algum dia ouviram falar de Instituto Stratfor?!”
[entreouvido na Vila Vudu]
Desde que eclodiram as manifestações públicas na Síria, em março passado, as narrativas sobre a crise síria só fazem repetir o tema das demais revoltas árabes. Um governante autoritário que esmaga oposição pacífica que se levanta contra seu governo e abre fogo contra civis, e o número de manifestantes cresce, e cresce também o número de cadáveres...
Mas entramos agora no nono mês desse conflito particularmente violento – nem a Líbia, com guerra civil declarada, demorou tanto. O que está acontecendo?
Segundo o instituto Stratfor, com sede no Texas e especializado em análise de risco geopolítico, que, semana passada, distribuiu devastadora crítica dos esforços de propaganda da oposição síria, “a maioria das denúncias mais sérias da oposição síria não passam de exagero grosseiro ou são simplesmente falsas, o que revela muito mais sobre a fraqueza da oposição, do que sobre o real nível de instabilidade dentro do regime sírio”.[1]
É evento importante por duas razões. Primeiro, porque é a primeira vez que empresa de inteligência com sede nos EUA contesta abertamente a narrativa dominante sobre o caso sírio. Segundo, porque, ante os dados reunidos pelo Instituto Stratfor, somos obrigados a nos perguntar: em que, afinal, os EUA baseiam suas iniciativas políticas, se todos os nossos pressupostos de informação são falsos?
A Síria, afinal, é ou não é “instável”? Que importância como representação de algum desejo de alguma maioria tem (teria) a oposição ao regime de Bashar al-Assad? O número de mortos que todos os dias nos é informado e que tanta revolta provoca, é número confiável? Significa alguma coisa? Quem está matando quem? Como se podem confirmar os números e as notícias incansavelmente repetidas? Os manifestantes locais são capazes de discernir entre um manifestante pró-regime civil morto e um morto civil anti-governo – sobretudo se se sabe que os dois lados estão armados e atirando?
Não tenho meios nem para desmentir nem para confirmar as informações que são distribuídas e nem tentarei. Mas pergunto: de onde vêm todos esses ‘fatos’?
As informações sobre a Síria são viciadas?
Informação colhida de grupos de oposição não são confiáveis por definição, porque às oposições sempre interessa divulgar dados “benéficos” e ocultar as estatísticas “que não ajudam”. E a mesma dinâmica aplica-se ao governo, motivo pelo qual tantos suspeitam sempre do que diga o governo sírio.
Mas ninguém vê a oposição síria dando divulgação democrática ao número de soldados regulares do exército sírio mortos, por exemplo – exceto para dizer que haveria soldados desertores, e que estariam sendo assassinados. Nesse momento, o Twitter zune com notícias (muitas delas apenas repetidas), segundo as quais, mais de 70 dos mais de 100 mortos de hoje seriam “desertores”.
Tampouco se ouve qualquer informação sobre o número de civis pró-regime mortos pela oposição armada – muitos dos quais mortos ao se manifestarem a favor do regime sírio.
Nada disso, é claro, significa que a oposição síria minta para ganhar a simpatia e o apoio internacional – sobretudo porque a “oposição” não é homogênea e tem várias caras, propostas, poderes e ambições.
Mas o Instituto Strafor questiona diretamente o objetivo de alguns daqueles grupos, baseado em provas recolhidas de campanhas de desinformação:
O artigo de Stratfor foca-se, basicamente, nos esforços da oposição síria para dar a impressão de que, nas últimas semanas, estaria havendo grave divisão dentro do próprio clã do presidente Assad e dentro da minoria alawita, fé professada por vários dos mais altos comandantes das forças armadas sírias e líderes políticos do governo.
Dentre as mentiras já identificadas, está matéria datada de 10/12, segundo a qual “o vice-ministro da Defesa da Síria e ex-chefe da inteligência militar Asef Shawkat foi assassinado por um assessor e ex-chefe da Segurança, general Ali Mamlouk.”
É notícia falsa, segundo Stratfor, divulgada para criar “uma falsa imagem de que dois sunitas, com altos postos no governo, estar-se-iam matando a tiros”, e que alimenta “uma narrativa que ajuda alguns grupos, dedicados a minar a ideia de que o governo de Assad mantém-se coeso na determinação de conter a oposição armada e salvar o regime sírio”.
Outro exemplo, do dia 9/12, o jornal Asharq al Awsat, de propriedade de sauditas, publicou declaração de uma até então desconhecida “Liga Alawita de Comitês de Coordenação”, autoapresentada como representante da comunidade alawita síria, e que “rejeita qualquer tentativa de culpar os alawitas pelo ‘barbarismo’ do regime Assad”. Na avaliação do Instituto Stratfor, a notícia ‘plantada’ dá “a impressão de que a comunidade alawita estaria dividida e que o regime de Assad estaria perdendo o apoio dentro de sua própria comunidade religiosa”.
O Instituto Stradfor cita fontes suas, dentro da oposição síria, que “confirmaram que aquela Liga Alawita de Comitês de Coordenação não existe e não passa de ficção inventada pela oposição sunita na Síria”.
No mesmo dia, outros grupos da oposição, entre os quais o Conselho Nacional Sírio, o Exército Sírio Livre e o Observatório de Direitos Humanos na Síria (que tem sede em Londres) começaram a distribuir ‘notícias’ segundo as quais “forças do governo sírio sitiaram Homs e impuseram prazo de 72 para que os desertores do exército sírio entregassem as armas, ou seriam massacrados.”
Essas notícias apareceram em manchetes de jornais e televisões em todo o mundo – porque Homs é o centro da oposição ao regime, onde o número de mortos parece ser maior que em outras cidades. Mas investigações feitas pelo Instituto Stratfor descobriram que “não há sinais de massacre”. E o Instituto alerta que “forças da oposição a Assad têm interesse em difundir a fantasia de que haveria risco de massacre, na tentativa de criar quadro semelhante ao que levou a uma intervenção militar estrangeira na Líbia”.
O Instituto lembra que não há risco de massacres na Síria, ou que, no mínimo, são altamente improváveis, porque “o regime sírio trabalha exatamente para evitar esse tipo de cenário. As forças legais na Síria”, diz o Instituto Stratford, “têm sido muito cautelosas para evitar altos números de mortos, que pudessem levar a qualquer tipo de intervenção baseada em critérios humanitários.” E por aí vai.
Narrativas falsas, sem qualquer fundamento, turvam as águas
Stratfor identifica alguns objetivos evidentes que dirigem os esforços de propaganda dos grupos de oposição síria:
– Convencer os sírios dentro da Síria (e não só a maioria sunita, mas também outras minorias que, até agora, se mantêm firmemente a favor do governo), de que o regime estaria dividido, sem força e que de nada serviria continuar a apoiá-lo.
– Convencer apoiadores externos da oposição, como os EUA, a Turquia e a França, de que o regime está fragilizado, a ponto de cometer massacres para conter os protestos, como acontecia em 1982, em Hama.
– Convencer todos, os sírios e apoiadores externos da oposição, de que o colapso do governo de Assad não gerará o mesmo nível de instabilidade que se viu no Iraque, ao longo de quase uma década, nem levará ao surgimento de milícias islâmicas como parece já estar acontecendo na Líbia. Com esse objetivo, o Exército Síria Livre tem dado destaque a operações de defesa de civis, para não ser rotulado como milícias golpistas. Simultaneamente, a oposição política tem repetido que deseja preservar intactas as estruturas do governo, de modo a evitar o cenário que se tem no Iraque, onde hoje é necessário reconstruir o estado, que foi completamente destruído, e o país já enfrenta guerra sectária.
Stratfor chama a atenção para a facilidade com que o discurso dos grupos de oposição na Síria chegam rapidamente às manchetes da imprensa ocidental, e que esses veículos repetem com regularidade “dados distribuídos pelo Observatório de Direitos Humanos na Síria, apesar de nenhum daqueles dados poder ser confirmado.” Mas o Instituto Stratfor também alerta que “a falta de coordenação entre os veículos de distribuição de informação da oposição na Síria, e a nenhuma confiabilidade dos dados que são distribuídos já está minando a credibilidade da própria oposição como um todo.”
Hoje, o presidente Assad da Síria assinou o protocolo da Liga Árabe, autorizando a visita de uma missão de investigação. Se se conseguir que esse importante processo não seja sequestrado nas malhas da política regional – risco que não se deve descartar, apesar das boas intenções – é possível que, doravante, possamos afinal começar a conhecer o que realmente acontece hoje na Síria.
Sem rigorosa atenção à apuração dos fatos, é baixa a probabilidade de que os dois lados que se enfrentam na Síria consigam superar suas diferenças e rancores. Falsas narrativas, incansavelmente repetidas sem qualquer atenção à verificação e à confirmação das notícias, servem só para manter aceso o conflito. Parabéns ao Instituto Stratfor por chamar a atenção para a importância de produzirmos melhor jornalismo e informação mais confiável e transparente.
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