segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Líbia é o nosso futuro



1 Nenhum homem é uma ilha; a morte de qualquer pessoa me atinge, pregava John Donne. Nenhum país está fora do planeta: o genocídio cometido contra um povo me assassina.
Tudo o que acontece na Líbia me fere, te machuca e nos afeta.

2 Falemos como homens e não como chacais ou monopólios de informação/comunicação. A Líbia não está sendo bombardeada para proteger a sua população civil. Nenhum povo é protegido lançando-lhe explosivos, nem despedaçando-o com 4.300 ataques “humanitários” durante mais de cem dias. A Líbia é incinerada para lhe roubarem seu petróleo, suas reservas internacionais, suas águas subterrâneas. Se o latrocínio triunfa, todo os países com seus recursos serão saqueados.
Não perguntes sobre em quem caem as bombas: cairão sobre ti.

3 “Encarceraram os comunistas; não me importei porque não sou comunista”, ironizava Bertold Brecht. O Conselho de Segurança da ONU aprova uma zona de “exclusão aérea” a favor dos divisionistas líbios, mas permite um bombardeio infernal; a China e a Rússia se abstêm de vetar a medida porque como não são líbios nada poderia importar-lhes menos. De imediato os Estados Unidos ameaçam a China com a declaração de uma “moratória técnica” da sua impagável dívida externa e agridem o Paquistão. A China replica que “toda nova ingerência dos Estados Unidos no Paquistão será interpretada como ato não amistoso” e arma o país islâmico com cinquenta caças JF-17.
Nenhum povo está fora da humanidade: se não proibires a agressão contra outro povo, a desencadeias contra ti e teu povo.

4 Tolstoi contava que um urso ataca dois camponeses: um sobre a uma árvore, cedendo ao outro o privilégio de defender-se só. Este vence e conta que as últimas palavras da fera foram: “Quem te abandona não é teu amigo”. A Liga Árabe, a União Africana, a OPEP trepam a árvore da indecisão esperando a vez de serem esquartejadas.
Ao abandonar as vítimas abandonas a ti mesmo

5 Tal como nos tempos em que o fascismo assaltava a África, hoje a Itália, Alemanha, Inglaterra, França e outros pistoleiros da OTAN sacrificam armamentos e soldados numa guerra que só favorecerá os Estados Unidos. Impedido pelo seu Congresso de investir abertamente fundos no conflito, Obama queixa-se dos seus cúmplices da OTAN porque sacrificam à despesa militar menos de 2% dos seus PIB e ordena-lhes que imolem pelo menos 5% (“El futuro de la OTAN”, Editorial El País, 15/06/2011). São instruções inaplicáveis quando o protesto social, a crise financeira, a dívida pública impagável e o próprio gasto armamentista minam os governos do G-7. Perante tais exigências, a Itália opta por não participar mais dessa súcia criminosa.
A Agência Internacional autoriza a gastar das reservas que não tem 60 milhões de barris de petróleo em dois meses. Os Estados Unidos desbaratam em 2010 uma despesa militar de 698 bilhões de dólares, 43% do total mundial de 1,6 trilhões de dólares (Confirmado.net 17/06/2011). Assim se dilapidam em forma de morte os recursos que deveriam salvar vidas.
Se construíres guerras para devorar o outro, as guerras te devorarão a ti.

6 Como na época de Ali Babá e os quarenta ladrões, os banqueiros internacionais que tão benevolamente receberam 270 bilhões de dólares em depósitos e reservas da Líbia assaltam o butim e estudam trespassá-lo àqueles que tentam assassinar os legítimos donos. Também criam para os monárquicos de Bengazi um banco central e uma divisa própria.
São os mesmos financistas cujo latrocínio custa à humanidade o atual colapso econômico: não perguntes a quem os banqueiros roubam: assaltam a ti.

7 No estilo das blitzkrieg nazis, o presidente dos Estados Unidos inicia guerra sem a autorização dos seus legisladores e prolonga-as ignorando o Congresso, onde dez deputados denunciam o presidente e o secretário da Defesa cessante Robert Gates e vetam os fundos para a agressão contra a Líbia tachando-a de ilegal e inconstitucional.
Não verifiques se deves impor a tiros a democracia a outros povos: acaba antes com os vestígios que restavam dela no seu próprio país.

8 Cada homem é peça do continente, parte do todo, insiste John Donne. Os inimigos do homem não cessam de fragmentá-lo para destruí-lo melhor. Os impérios, que são quebra-cabeças instáveis de peças juntadas à força, no exterior fomentam ou inventam o conflito de civilização contra civilização, o rancor do iraniano contra o curdo, do xiíta contra o sunita, do hindu contra o muçulmano, do sérvio contra o croata, do descendente contra o ascendente, do ancestral contra o menos ancestral, do líbio contra o líbio, do venezuelano contra o venezuelano. De cada variante cultural pretendem fazer um paisinho e de cada paisinho um protetorado. Quem nos separa nos faz em pedaços, quem me divide me mutila.
Não indagues como despedaçam a Líbia: esquartejam a ti.

9 Toda pilhagem arranca com promessa de golpe fácil e atola-se na carnificina insolúvel. As guerras do Afeganistão, Iraque, Líbia, Iêmen e a agressão contra o Paquistão arrancam passeios triunfais, espatifam-se em holocaustos catastróficos e nenhuma conclui, nem se decide. A resistência dos seus povos retarda a imolação da qual não te livrarão, nem vetos omitidos, nem organizações abstencionistas, nem banqueiros cartelizados, nem Congressos olvidados.
Não perguntes por que são assassinados os patriotas líbios: estão morrendo por ti.

Luís Britto Garcia, venezuelano
Traduzido pelo pessoal do Plisnou

Nenhum comentário:

Postar um comentário